Com aumento do percentual do Fundeb para remuneração de profissionais da educação, prefeitos no Ceará têm buscado alternativas para cumprir regra
Foto: José Leomar
Os professores da rede pública do município de Uruoca, na Região Norte, irão receber quase o dobro de salários em 2021. Além dos 12 meses de remuneração e do 13º salário, serão sete parcelas de abono salarial – proporcionais à remuneração de cada profissional e que devem ser pagas até o próximo dia 20.
Apesar de incomum, o pagamento desses abonos salariais pela Prefeitura de Uruoca tem como razão a necessidade de implementar regra do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Nela, 70% dos recursos do Fundeb têm que ser destinados à remuneração dos profissionais da educação – antes o percentual era de 60%.
O caso não é único. Pelo menos, 25 prefeituras cearenses também devem conceder abonos salariais aos professores. Outras gestões procuram alternativas para conseguir obedecer a regra. Isso, porque, além da mudança nesse percentual, as prefeituras tiveram aumento nos repasses vindos do Fundeb, enquanto, por outro lado, houve uma limitação quanto aos reajustes salariais de servidores municipais – que estão congelados até o final de 2021.
O não cumprimento da regra pode enquadrar gestores municipais na Lei de Responsabilidade Fiscal, tornando-os inelegíveis e aptos a sofrer, inclusive, outras sanções.
ABONOS SALARIAIS COMO ALTERNATIVA
Prefeito de Uruoca, Kennedy Aquino (PDT), estima que R$ 3,5 milhões serão investidos pela Prefeitura para o pagamento do ano salarial dos professores da rede pública de ensino. Apesar das sete parcelas, no entanto, ainda é possível que haja um saldo remanescente em janeiro de 2022 – que também deve ser usado para remuneração dos profissionais.
Até o momento, foi pago até o 16° salário. Outras três parcelas devem ser depositadas até o próximo dia 20 de dezembro.
“Durante esse ano, tivemos limitações que impediram de ter mais gastos com pessoal. A segunda onda de Covid-19 acabou atrasando a contratação de (professores) temporários e, outra variante, foi o congelamento de gastos, que impossibilitou reajuste do salário dos professores”, detalha as razões para a quantidade de abonos salariais.
Aquino aponta que, por conta disso, a Prefeitura acabou optando pelo saldo remanescente vindo do Fundeb, como forma de não descumprir a regra constitucional dos 70% para profissionais da educação. O abono salarial foi alternativa usada por outros gestores municipais no Ceará.
Segundo levantamento da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), pelo menos 25 prefeituras cearenses devem conceder abonos salariais aos profissionais da educação.
Cidades como Maracanaú, Granja, Ararendá, Russas, Jaguaribe, Ubajara e Sobral. Em alguns casos, a previsão de abono supera o 14º salário – mais usual não apenas em 2021, como em anos anteriores. Em Trairi, por exemplo, está previsto o pagamento de até 16° salário para os professores da rede de ensino.
BENEFÍCIOS PERMANENTES AOS PROFESSORES
Presidente da Fetamce, Enedina Soares aponta que, apesar de não ter nenhum problema técnico no abono salarial, ele não deveria ser a primeira alternativa de gestores municipais para cumprir a destinação de 70% dos recursos do Fundeb para professores.
“A política salarial dos servidores é muito deficitária. É preciso pensar uma política de valorização dos trabalhadores (da educação) para que essa melhoria fique no salário. O abono serve (às vezes) para fazer marketing com recurso que era para ficar no salário. Não somos contra, mas (os gestores) devem ter outras prioridades”, argumenta.
ENEDINA SOARES
Presidente da Fetamce
Com o congelamento dos salários – por meio da Lei Complementar 173, aprovada em 2020, que proibiu o reajuste nos salários de servidores estaduais e municipais até o final deste ano -, ela indica que teriam outras formas de melhorar a remuneração destes profissionais.
Uma delas, era a progressão de classe e nível dos professores – dentro dos critérios adotados por cada gestão municipal. “As progressões são um incentivo à qualificação, mas nem todo município tem programa de cargos e carreiras”, critica.
Apesar da Lei Complementar não impedir a concessão de progressões, apenas 19 cidades negociaram o pagamento desses benefícios, segundo levantamento da Federação. “Tem município que a diferença entre um professor de nível médio e um graduado não chega a 1% do salário. Está faltando política de organização da carreira desses professores”, completa.
Enedina Soares também critica a falta de reposição inflacionária, em 2021, para os professores da rede pública de ensino no Ceará. Segundo ela, quase 90% das prefeituras não realizaram o ajuste. “Pagam abono e não repõem a inflação”, ressalta.
AUSÊNCIA DE REPOSIÇÃO SALARIAL
Contudo, nota técnica do Tribunal de Contas do Estado (TCE) orienta gestores a não realizarem a reposição inflacionária – chamada de “revisão geral anual”.
Segundo o documento emitido pela Secretaria de Controle Externo do TCE, “é vedada a revisão geral anual, salvo se decorrente de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à norma”. Apesar do documento corresponder à “opinião da unidade técnica”, sem apresentar “caráter normativo”, às gestões municipais preferiram seguir a orientação.
O prefeito de Uruoca, Kennedy Aquino, concorda que o abono deve ser um “caso excepcional” e que pretende usar os recursos do Fundeb em 2022 para fazer reajustes nos salários dos professores. Segundo ele, além do ajuste de 32% na remuneração dos profissionais, o objetivo é “reformular o plano de cargos e carreiras, para melhorar as gratificações para os professores”, ressalta.
Para o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Nordeste, Alessio Costa, a alternativa mais prudente, para 2021, era o rateio do saldo remanescente em forma de abonos salariais, ao final do ano.
“O gestor não pode sair distribuindo recursos, porque trabalhamos com previsão orçamentária. Só no fim de dezembro que temos o total desses recursos, então seria precipitado fazer antes essa distribuição”, ressalta.
ALESSIO COSTA
Presidente da Undime e secretário de Educação de Ibaretama
Ele aponta que, por conta da pandemia de Covid-19, o movimento é de “extrema indefinição da política econômica”. Por isso, o “prudente” é realizar a distribuição agora, em forma de abono salarial, e observar “o comportamento do Fundeb nos anos subsequentes de forma a incorporar (os recursos) nas carreiras dos profissionais”.
“Se o plano de cargos e carreiras estiver desatualizado, o correto é atualizar”, exemplifica. Contudo, ter feito isso durante 2021, “em um momento de tanta instabilidade, teria sido, no mínimo, inadequado”.
DIFICULDADE DE APLICAR 25% NA EDUCAÇÃO
O problema, no entanto, é bem mais amplo. Municípios têm encontrado dificuldade de implementar não só as regras estabelecidas pelo novo Fundeb – que se tornou constitucional após PEC ser aprovada no final do ano passado -, mas também outras exigências constitucionais.
Os recursos deste Fundo estão inclusos na obrigação dos municípios de aplicarem, pelo menos, 25% de sua receita resultante de impostos e transferências na manutenção e no desenvolvimento da Educação, segundo a Constituição.
Neste caso, as prefeituras devem atuar nos Ensinos Infantil e Fundamental, dando “prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade”. O descumprimento da regra, pode enquadrar os gestores municipais na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Se antes alguns municípios já tinham dificuldade em atender essa obrigação, com a pandemia de Covid-19, o problema aumentou. Levantamento realizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) estima que 81% dos municípios estão fora da regra, restando menos de um mês para o final de 2021.
FALTA DE INVESTIMENTO NA EDUCAÇÃO
Com isso, ao menos R$ 15 bilhões deixaram de ser investidos na educação básica (infantil, fundamental e médio, de 0 a 17 anos) desde o início da pandemia. O total se refere a 2020 e 2021 – no ano passado, 35% das prefeituras não aplicaram o mínimo constitucional. Os números foram tabulados a partir dos dados mais atuais do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
“O ensino passou a ser online. Ficamos assim por quase dois anos, o que reduziu drasticamente os gastos”, disse o prefeito de Aracaju e presidente da FNP, Edvaldo Nogueira Filho (PDT). Outra dificuldade levantada por ele é a Lei Complementar que impediu os reajustes salariais.
A entidade também tem cálculos que mostram que a receita deste ano veio acima do previsto – e não havia planejamento para o uso desse dinheiro extra. Para tentar ampliar o prazo para aplicação desses recursos, uma comitiva de prefeitos irá, nesta quarta-feira (8) a Brasília para conversar com deputados federais.
O objetivo é pressionar pela aprovação da PEC 13/2021, já aprovada pelo Senado Federal, que estende para 2023 o prazo para que municípios possam aplicar o mínimo não cumprido. A aplicação deve ocorrer, obrigatoriamente, na Educação. A proposta também impediria punição civil, administrativa ou criminal a gestores locais que não cumprirem o mínimo em 2020, 2021 ou nos próximos dois anos.
PRECEDENTE NA FLEXIBILIZAÇÃO DA VINCULAÇÃO
Também secretário de Educação do município de Ibaretama, o presidente da Undime, Alessio Costa, teme o precedente que a aprovação da PEC possa abrir em relação a vinculação de 25% dos recursos da arrecadação para a Educação.
“Não achamos saudável uma mudança no texto constitucional por um episódio pontual”, ressalta. Ele aponta que existiram, no período da pandemia, muitos fatores para o aumento de municípios que não conseguiram cumprir a regra constitucional, como a diminuição de gastos ou a ocorrência de superávit de arrecadação, sem tempo para replanejar os investimentos.
Para ele, deveria haver um “olhar mais sensível” de órgãos de controle externo em períodos excepcionais, como é o caso de uma pandemia. “Situações excepcionais devem ter um tratamento excepcional”, ressalta. Ele considera que deveriam existir outras medidas administrativas para dar segurança jurídica às gestões municipais sem alterar o texto da Constituição.
“Dizer que não tem o que investir na Educação não condiz com os índices de educação do nosso País. Tem muito serviço, muito trabalho e investimento a ser feito. (Na pandemia) Fazia-se necessário investimentos em outros elementos: equipamentos para professores e estudantes, planos de internet”, ressalta.
Fonte: Diário do Nordeste