Entre 2015 e 2020, a queda na construção destes equipamentos no Ceará chegou a 94,5% em relação a 2014, ano no qual mais se adotou essa tecnologia de combate à seca (149 mil unidades)
Foto: Reprodução Redes Sociais
Abrir as torneiras de casa e ver a água cair – uma cena que, em pleno século XXI era para ser natural – sempre foi uma realidade distante para a agricultora Maria Moreira. Por mais de sete décadas, ela nunca teve água disponível em sua casa, no Sul do Estado. “Vivi 73 anos sem água encanada”.
O caso da idosa não é uma exceção no Ceará. Atualmente, no início desta pré-estação chuvosa, cerca de 54 mil famílias convivem com dificuldades no abastecimento e se veem obrigadas a caminhar longas distâncias para colher água em açudes e poços – isso quando a chuva é generosa e enche esses locais.
Para driblar a dura realidade, esses cearenses necessitam de programas assistenciais que possam garantir acesso à água. A construção de cisternas de placas é um deles. Cisterna é um elemento prático e objetivo de convivência com o semiárido.
No período chuvoso, ela capata a água da chuva e, nos demais meses de estiagem, os moradores que têm o equipamento instalado ao lado de suas casas passam a ter acesso a água potável.
QUEDA NOS INVESTIMENTOS
O programa do governo Federal criado para construir essas cisterna e trazer segurança hídrica ao sertanejo tem recebido menos investimentos nos últimos anos.
Entre 2015 e 2020, a queda na construção destes equipamentos no Ceará chegou a 94,5% em relação a 2014, ano no qual mais se adotou essa tecnologia de combate à seca (149 mil unidades).
Atualmente, a Articulação do Semiárido (ASA) estima que sejam necessárias a construção de 54 mil cisternas no Ceará.
Quando observado todo o semiárido brasileiro, este número salta para 350 mil unidades de déficit.
A ASA é uma rede de organizações sociais que está presente em todo o semiárido – nos noves estados nordestinos, mais a região norte de Minas Gerais. Há 21 anos essa rede mobiliza instituições sociais para melhorar a qualidade de vida dos sertanejos.
REGIÃO
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O coordenador executivo da ASA-CE, Marcos Jacinto, mostra preocupação com a descontinuidade nos repasses por parte do governo Federal para construção das cisternas. “Há um número significativo de famílias no Estado que não tem acesso á água potável”, lembra.
Conforme Marcos, o programa de cisternas, iniciado em 2013, tem “passado por um processo de diminuição [de investimento] desde 2016, a ponto de que em 2019 e 2020 nós não tivemos nenhum recurso federal para execução dessa política”.
Isso é muito preocupante. Ainda estamos passando por um processo de pandemia, onde a necessidade de acesso à água se torna cada vez mais evidente para famílias do semiárido e comunidades difusas.
MARCOS JACINTO
Coordenador executivo da ASA-CE
O Ministério da Cidadania reconheceu que a crise econômica e a escassez de material tiveram impacto na construção de cisternas, e disse estar adotando medidas para fortalecer o programa.
MOBILIZAÇÃO
Diante deste cenário de ausência de recursos, a ASA se mobilizou e lançou a campanha “Tenho sede”, cujo objetivo é receber doações para dar continuidade à construção de cisternas. Até agora, já foram 230 mil equipamentos construídos. Dona Maria Moreira foi uma das contempladas. Para ela, ter a cisterna ao lado da casa é a “concretização de um sonho”.
A idosa, moradora da cidade de Caririaçu, revela que durante anos precisou caminhar longos percursos para ter acesso ao líquido. Uma saga cansativa. “Ia buscar os baldinhos lá no açude. É longe. Era muito difícil. Sonhei muito com essa cisterna. Não vai mais faltar água”, comemora.
Jacinto explica que todas as cisternas são edificadas ao lado da casa das famílias. “Elas não precisam se deslocar vários quilômetros, muitas vezes em cima de um animal, em carroças, utilizando vários meios para acessar a água para consumo humano”.
16 MIL
Essa é a capacidade de armazenamento de uma cisterna de primeira placa. Esse volume atende a uma família de cinco pessoas por oito meses
Após a construção do equipamento e a certeza de que não faltará água, a agricultora já faz planos para o uso da água. “Vou lavar minha casa. Tomar banho, cozinha, beber. Vai ser tudo uma maravilha. Lavar roupa sem ser com água com lama. É uma mudança de vida”, completa Maria Moreira.
Essa e outras cisternas construídas pela ASA passam por uma espécie de processo de triagem. Mauricio Ribeiro, técnico de acompanhamento de cisternas da ASA, explica que antes da construção, “uma equipe vai à comunidade, reúne as famílias que têm pretenção de receber o equipamento e faz o enquadramento”.
REGIÃO
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Após este processo, é agendada uma data para construção. “Leva em torno de 3 a 4 dias para ficar pronta”, detalha Maurício. Ele acrescenta que o grande objetivo dessa ação da ASA é garantir água de qualidade na casa dos cearenses.
Na cidade de Caririaçu, além da cisterna construída ao lado da casa de Dona Maria, outras 27 foram edificadas. “Depois a gente retorna ao local para ver como a família está se comportando com a cisterna, saber se ela está usando direitinho e se há alguma dúvida”.
Fonte: Diário do Nordeste